sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

História do Marechal Saldanha (1790-1876): nas Guerras Liberais (1 de 2)

No dia 26 de Janeiro de 1833 chegava às aguas do Porto o conde de Saldanha, com alguns companheiros da emigração, e na manha de 28 effectuava o seu desembarque.

Duque de Saldanha por John Simpson, após 1834 (MNSR).
Imagem: Parques de Sintra

Mas porque não figurava o conde de Saldanha entre os seus camaradas desde o dia 9 de julho do anno anterior em que a expedição liberal aportara á praia do Mindello?

Vista da praia da Arnosa de Pampelido onde desembarcou o senhor Dom Pedro à frente do exército libertador.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal


Aprestava-se em França a expedição, quando, escolhido previamente o conde de Saldanha para chefe do estado maior do sr. D. Pedro, este, mandando-o chamar no dia 13 de janeiro de 1832, lhe communicava que o embaixador, de Hespanha promettia em nome do seu rei a neutralidade na futura guerra civil portugueza, sob a clausula de que Saldanha nao fosse à frente da expedição, e que, dado o caso contrario, Fernando VIl interviria com um exercito de quarenta mil homens [...]

E era exactamente a 24 de janeiro d'esse anno de 1833, no próprio dia em que Solignac, estreiando-se no commando salvador abandonava ao inimigo o importantíssimo monte do Crasto na Foz, que Palmella, repellindo da maneira mais nobre e mais digna certas arguições do nosso governo sobre o desempenho da sua commissão politica, declarava de Londres ao imperador ter occultado officialmente a lord Palmerston a fraqueza em que estava a causa liberal, e recordava ao mesmo imperador as suas próprias palavras dirigidas a elle Palmella: "A suspensão de armas para nos salvar deve ser dentro de trinta dias da data da minha escripta (16 de novembro)" [...]

Carta topográfica das Linhas do Porto (detalhe), 1834.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O almirante Napier, que na guerra liberal quinhoeiro foi também de louros tão gloriosos, escreve que no dia 28 de janeiro desembarcavam na Foz os generaes Saldanha, Stubbs e Cabreira, e que, apesar de estar a causa já sem esperança obedeceram com presteza ao chamado, tomando então Saldanha o commando da linha esquerda, e estabelecendo o seu quartel general na Foz, a posição mais arriscada de toda a linha da defeza [...]

Mostrada logo a Solignac por Saldanha a urgência de occupar o montículo do Pinhal, onde se jogava a sorte da causa, Solignac respondeu-lhe que nao seria temeridade unicamente, mas loucura o emprehender tomar o montículo nas novas condições em que se achava defendido, e ordenou positivamente a Saldanha que o não tentasse fazer [...]

Na seguinte noite o desobediente general atacava à bayoneta, com quatro companhias, o piquete realista, desalojava-o e occupava o indispensável montículo [...]

Acceita a demissão de Solignac no dia 13 [de junho de 1833], era no dia 14 nomeado chefe do estado maior imperial o conde de Saldanha [...]

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É uma hora d'aquelle dia 5. O exercito sitiador ataca a linha esquerda do Porto (sobre Lordello) em todo o semi-circulo da defeza, desde o Carvalhido até á casa da fabrica do Antunes.

Carta topográfica das Linhas do Porto, 1834.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Duas columnas realistas, saindo de seus entrincheiramentos, avançam, entre a quinta do Wanzeller e a casa do Plácido, no intento de cortarem as communicações do Porto com a Foz.

A primeira columna ataca o centro e a direita da fabrica do Antunes, o ponto visivelmente mais arremettido. O capitão Pedroso, de infantería 15, á frente da sua companhia e com parte da quinta, investe com tal denodo os realistas, de posse, no primeiro impeto, de parte da fabrica disputada, que os desaloja apesar da desproporção das forças, emquanto o valoroso brigadeiro Duvergier, seguido de algumas companhias do segundo regimento de infantería da Rainha, repelle a reserva da columna que primeiro tomara a posição; mas recebendo n'um braço o ferimento mortal que lhe ha de produzir a morte, é substituído por Zuppi, que, apesar de ver cair ferido também gravemente o bravo capitão Victoríno, sustenta a posição tenazmente [...]

O inimigo estava sendo ali protegido por um vivíssimo fogo dos seus reductos de Serralves e das baterias da margem esquerda do Douro; mas Saldanha, que dirigia pessoalmente o fogo nos pontos atacados "com a perícia e acerto que o distinguia", manda logo collocar em fogo cruzado e nos ângulos convenientes a única peça e o obuz de que as podia dispor, e por este modo auxilia as novas cargas de infanteria pelos flancos e em frente da fabrica, tornada a atacar pelos realistas por todos os lados.

Em presença d'aquelle movimento estratégico e repentino, combinado com o arrojo da execução, vê-se desanimar a linha do inimigo, estorcer-se como longa serpente, ceder, desistir, retirar-se, e proseguindo na idéa de cortar a linha da Foz, ir flanquear pela direita a quinta do Wanzeller [...]

Carta topográfica das Linhas do Porto (detalhe), 1834.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Iam dar cinco horas quando os derradeiros tiros denunciavam o termo da batalha, começada na esquerda, seguida no centro e finalisada na extrema direita [...]

No mesmo dia 5 de julho, em que Saldanha ganhava tao brilhante victoría, estrelando o seu novo cargo de chefe do estado maior imperial, vencia também um combate naval nas aguas do cabo de S. Vicente o vice-almirante Napier, que vimos largar da barra do Porto com a expedição commandada pelo duque da Terceira.

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Clareia o crepúsculo d'aquelle dia 25 de julho, e lá está elle já, rodeado dos seus, no ponto mais fraco, e portanto mais serio, de toda a linha da defeza, junto á quinta Wanzeller, sereno o semblante, apurando o ouvido, pondo a alma nos olhos, na apparencia tranquillo como intrépido, no interior agitado como general que se desejasse multiplicar por todos os logares da lucta.

Entrance of the river Douro, Edward Belcher, 1833.
Imagem: ICGC Cartoteca Digital

Commandantes, officiaes, soldados, quantos a distancia permittia que o vissem, tinham os olhos fitos n'elle, e d'elle recebia cada combatente um dos raios que partiam d'aquelle astro da victoria; confissão de todos os que militaram debaixo do seu commando.

Batem cinco horas. Restruge nos ares a primeira descarga geral da artilhería realista dos reductos de Serralves, do Crasto, do Verdinho, da Furada e de lodos os outros de ambas as margens do Douro. "Rainha e Carta", responde nos corações toda a linha liberal á mortifera salva que annnnciava o assalto.

Dera signal o campo inimigo. Á descarga geral das baterias principiaram a sair dos entrincheirammtos realistas quatro differentes colnmnas de todas as armas, acompanhadas de dezeseis bocas de fogo [...]

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Vencedora estava após horas successivas toda a linha esquerda do exercito liberal, desde a Foz até o centro, nas quatro posições capitães, fechos do férreo cinto que apertava o Porto [...]

Vista da invicta cidade do Porto.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

"Conde de Saldanha, tenente general dos reaes exércitos, chefe do meu estado maior. Tomando em consideração a perícia com que vos houvestes no memorável dia 25 de julho, repellindo consideráveis forças inimigas em seus successivos e desesperados ataques contra as principaes posições das linhas do Porto, pondo em pratica com a maior dexteridade e coragem as minhas ordens, dando disposições tão habilmente concebidas como energicamente executadas, carregando com poucos officiaes do estado maior e vinte lanceiros a força superior, que tentando occupar os postos avançados entre o Bomfim e Guellas de Pau, nao pôde resistir ao impeto de tão grande bravura, alcançando-se em resultado de tantas proezas uma completa victoria... por estes motivos hei por bem, em remuneração de tao distincto merecimento e de tao altos serviços, elevar-vos á dignidade de gran-cruz da muito nobre ordem da Torre e Espada do valor, lealdade e mérito [cf. Chronica Constitucional de Lisboa, 28 de agosto de 1833]."

Oporto, Porto, published under the superintendence of the Society for the Diffusion of Useful Knowledge.
Drawn by W B  Clarke, engraved and printed by J Henshall Published by Baldwin & Cradock 47 Paternoster Row, 1833.
Imagem: David Rumsey

Não podera Saldanha até ali emprebender a guerra offensiva, mas fora obrigado a limitar-se á defensiva. É chegado o momento. Vae irromper. Batalha nenhuma dera ainda, em que a previdência, a estratégia, a barmonia das disposições lograssem occasião de attingir o alto ponto que vamos presencear [...] (1)


(1) D. António da Costa, História do Marechal Saldanha, Tomo I, Lisboa, IN, 1879

Tema:
Guerras Liberais (LeoT)
Guerras Liberais (AVM)

Mais informação:
Guerra Civil Portuguesa
António Avelino Amaro da Silva, O Caramujo..., Lisboa, Typ. Universal, 1863
Cronologia do Liberalismo
Um Portuense, O cerco do Porto, Porto, Typ. de Faria & Silva, 1840

Iconografia Portuense:
Cabral Moncada Leilões
do Porto e não só...
Porto de Agostinho Rebelo da Costa
Porto Património Mundial

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