segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Os pincéis do Neogarretismo prévio

Ao longo deste estudo, analisámos as propostas neogarrettistas para a pintura: a sua consonância com a literatura, os temas paisagísticos rurais e marítimos como fundo para as cenas de género. A pintura de paisagens campestres e marítimas obteve um lugar de destaque na arte da época, não apenas por ser uma novidade importada de França por pintores como Silva Porto e Marques de Oliveira, mas pela transformação que os artistas lhe infundiram, fazendo-a corresponder à imortalização dos costumes populares portugueses [...]

À espera dos barcos, Marques de Oliveira, 1892.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Nos ambientes marítimos, os pescadores que partem para a faina, ou que chegam da pesca; as varinas que os aguardam na praia com os seus trajes de trabalho; as mulheres que carregam as redes para as colocar a secar ou para as remendarem; os calafates que consertam os barcos, para impedir as infiltrações de água; as marinhas com pequenos veleiros ou as crianças que pescam ou brincam na beira da água.

Praia da Póvoa do Varzim, Silva Porto.
Imagem: Do Tempo da Outra Senhora

No campo, encontramos os camponeses com seus trajes de trabalho, de festa ou de ida ao mercado, em suas casas humildes, a alimentar os animais, nas procissões ou na lavoura. Os ceifeiros, os pastores e os lenhadores que trabalham pela manhã e ao fim do dia, e nas tardes de muito calor descansam à sombra, dormem a sesta e comem as merendas que prepararam em casa, são também frequentemente contemplados nestas telas do neogarrettismo. (1)

Colheita ou Ceifeiras, Silva Porto, 1893.
Imagem: Wikipédia

Silva Porto, sem ficar indiferente às várias correntes que em seu redor se desenvolviam, apenas uma serviu com devoção e maior sinceridade — a Naturalista — sem dúvida a mais consentânea com o seu robusto temperamento de meridional, preso à terra e aos seus virginais encantos [...]

A volta do mercado, Silva Porto, 1886.
Imagem: MNAC

O "Grupo do Leão", deu-nos um novo retratista do povo, um pintor que soube focar a alma popular, um artista que soube traduzir, com tintas de todos os matizes, as alegrias e as tristezas da grei.

O viático do termo, costume da Beira Baixa, José Malhoa, 1884.
Imagem: Nuno Saldanha, José Vital Branco MALHOA (1855-1933): o pintor, o mestre e a obra

Talvez por isso, o povo português compreenda as pinturas de Malhoa, como as de nenhum outro pintor que, até agora, interpretou o sentimento popular [...]

A volta da romaria, José Malhoa, 1901.
Imagem: Coysas, Loysas, Tralhas Velhas...

O "Portugal columbano" é uma realidade meta-histórica mais real do que a outra que se escondia na sombra dum "Portugal malhoa", com seus sóis cortados às rodelas, suores e cios, em paganismo católico de romaria, cheirando a estrume de terra fecundada, de onde saía ainda a inexistente cidade nacional. Outro é o Portugal doloroso, preso na urbe jamais figurada mas adivinhada do impossível lado de fora dos retratos pintados por Columbano, e só necessária para lhes justificar a tragédia solitária e humilhada […] (3)

O sarau (ou O serão), Columbano Bordalo Pinheiro, 1880.
Imagem: WikiArt

Ramalho, tal como muitos outros pintores seus contemporâneos, lança-se numa espécie de recolha etnográfica, numa inventariação de sítios pitorescos que encantavam o público que visitava as exposições, fazendo-o deliciar-se com a contemplação de paisagens e motivos caracteristicamente portugueses. (4)


Na obra "Lavadeiras na Romeira, Alfeite", podemos observar várias lavadeiras que, usando os habituais trajes de trabalho e as cabeças cobertas por lenços para se protegerem do sol [...]

Lavadeiras na Romeira, Alfeite — Quadro de Ramalho Junior comprado pelo sr. Pereira da Costa, 1882.
Imagem: Hemeroteca Digital

Na obra "Praia do Alfeite", António Ramalho trata a temática marítima. Não nos apresenta, de forma tão explícita como fez Silva Porto ou João Vaz, o trabalho dos pescadores, mas a presença de uma varina e de uma criança com traje de pescador remetem de imediato o espectador para a importância das actividades marítimas. Tal como nas telas de Silva Porto ou de João Vaz, estas figuras parecem representar a família de um pescador que aguarda a sua chegada do mar [...]

Praia do Alfeite, António Ramalho (Ramalho Junior), 1882.
Imagem: YouTube

Dos pincéis do Grupo do Leão, despontavam paisagens marítimas e campestres, pinturas de animais, de história, de costumes, sentimentalistas e cobertas de religiosidade, de trajes e de tudo o que se relacionasse com o popular de forma a através dele criar um discurso identitário. Conforme estudámos anteriormente, o neogarrettismo atribuiu à relação entre os portugueses e o mar uma importância extrema e foi esse o aspecto que a obra de João Vaz (1859-1931) sobretudo absorveu [...]

Barcos na praia com figuras, João Vaz.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Em "Barco na Praia com Figuras", observamos um barco que acaba de chegar ao areal e é recebido pelas mulheres vestidas com seus trajes de trabalho que recolhem as redes e as trazem para o areal. Estas mulheres são as peixeiras que vimos na tela de Marques de Oliveira, "À Espera dos Barcos", aguardando a ocasião de recolherem o peixe e as redes, que remendarão se for necessário [...] (5)


(1) Ivete Pio, Alberto de Oliveira: ideário nacional, págs. 119-130, Universidade de Aveiro, 2012
(2) Joaquim Lopes, Silva Porto, Lisboa, 1955 cf. Ivete Pio op. cit.
(3) Acúrcio Pereira, As Três Idades de Malhoa, Caldas da Rainha, 1955 cf. Ivete Pio op. cit.
(4) Alexandra Reis Gomes Markl, António Ramalho, Círculo de Leitores, Lisboa, 2003 cf. Ivete Pio op. cit.
(5) Ivete Pio, op. cit.


Autores e obras referênciados no documento original:

António Carvalho da Silva (Silva Porto, 1850-1893) 
"Guardando um Rebanho" 
"Colheita – Ceifeiras" 
"O Campino" 
"Carro de Bois" 
"A Volta do Mercado" 
"Praia da Póvoa de Varzim"

Marques de Oliveira (1853-1927) 
"À Espera dos Barcos" 
"Vista da Praia"

José Malhoa (1855-1933) 
 "A Corar a Roupa" 
"Músicos em Dia de Festa" 
"Milho ao Sol" 
"As Promessas"

António Ramalho (1858-1916) 
"Lavadeiras na Romeira, Alfeite" 
"Ponte de Guifões" 
"Vista do Espinheiro" 
"Praia do Alfeite"

João Vaz (1859-1931) 
"Barco na Praia com Figuras" 
"Pescadores na Praia" 
"Desembarque de Peixe"

Henrique Pinto (1853-1912) 
"Entre o Milheiral" 
"A Saída do Rebanho" 
"O Almoço" 
"A Perrice" 
"Na Eira"

Carlos Reis (1863-1940) 
"Mendiga" 
"Serra da Lousã, Paisagem com casa, figuras e milheiral" 
"O Baptizado"

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